Com o tema “Agroecologia: cuidando da saúde do planeta”, o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia reuniu-se em Porto Alegre no período de 25 a 28 novembro de 2013 para refletir sobre o momento atual e os desafios da agroecologia. A escolha deste tema reflete a constatação da existência de uma crise de dimensões globais de caráter sistêmico e multidimensional que se alastra e se aprofunda como resultado da reprodução ampliada de um padrão de desenvolvimento fundado no consumo insustentável de bens da natureza e na acentuação de desigualdades sociais. A configuração dos modernos sistemas agroalimentares, caracterizados pela extremada artificialização dos processos produtivos e pelo crescente afastamento entre a produção e o consumo de alimentos é um dos fatores determinantes dessa crise. Os promotores e principais beneficiários dessa crise são corporações empresariais que exercem seu poder político e ideológico sobre instituições do Estado no sentido de criar as condições para ampliar seu controle sobre os processos de produção e consumo alimentar, viabilizando desta forma sua estratégia de reprodução ampliada do capital à revelia dos impactos negativos sobre a saúde, o ambiente e da crescente degradação das relações sociais, em especial no que tange às relações de gênero, étnicas, raciais e geracionais. As promessas tecnológicas anunciadas por essas corporações, bem como os marcos institucionais -na linha da economia verde- por elas impostos têm contribuído para agravar a crise que se revela em diferentes formas de violência e opressão.
O modelo de educação vigente permanece seguindo uma concepção de produção de conhecimento cartesiana e tecnicista, sem levar em consideração os saberes historicamente acumulados pelos agricultores e agriculturas familiares camponeses e as inúmeras iniciativas educativas que tem como enfoque a Agroecologia que emergem no Brasil.
É inequívoco o fato de que uma consciência social crítica frente a esse cenário começa a exigir mudanças radicais no modelo de desenvolvimento e de relacionamento humano. Embora as pressões da sociedade venham permitindo alguns avanços institucionais importantes, que devem ser reconhecidos e celebrados, essas conquistas são ainda largamente insuficientes face à magnitude da crise socioambiental. É diante desse contexto que celebramos o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica como uma conquista da mobilização social. Permaneceremos mobilizados para assegurar sua imediata implementação. Ao mesmo tempo, continuaremos mobilizados para que o seu escopo seja ampliado.
Tendo em vista que os efeitos negativos desse modelo já alcançam dimensões inaceitáveis, muitas vezes com a geração de danos socioambientais irrecuperáveis, tornam-se imperativas iniciativas mais potentes com capacidade de mobilização social para enfrentar estruturalmente a crise desde a esfera local até o âmbito internacional. Diante desse quadro, os 4.448 participantes do VIII CBA-Agroecologia manifestam o que se segue:
Com relação a organismos geneticamente modificados e agrotóxicos
Repudiamos as iniciativas que visam retirar poderes deliberativos do Ibama, Mapa e Anvisa na análise de OGMs e agrotóxicos. Ao contrário, reinvindicamos que a CTNBio volte a atuar como uma instância de caráter consultivo submetida a esses órgãos. Cobramos também o cumprimento da Lei de rotulagem de OGMs e apoiamos a iniciativa em discussão na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul com vistas à rotulagem de alimentos produzidos com o uso de agrotóxicos.
Reivindicamos imediata modificação nos critérios de formação e operação da CTNBIO, com responsabilização jurídica de seus membros pelas consequências/impactos (econômicos, sociais, na saúde e ambientais) de decisões relativas à liberação de OGMs. Cobramos transparência nos processos decisórios e a realização de audiências públicas no caso de novas tecnologias e de avaliações dos monitoramentos pós liberação comercial.
Exigimos incorporação de critérios socio-econômicos nas avaliações de risco envolvendo OGMs, e que só sejam apoiadas pelas políticas públicas aquelas tecnologias que contribuam efetivamente para processos de desenvolvimento sustentável. Além disso, reinvindicamos que os OGMs sejam excluídos de políticas voltadas à agricultura familiar. Exigimos a manutenção da moratória aos OGMs com tecnologia GURT (terminator) e o endosso ao protocolo de Nagoya/Kuala Lumpur que trata da responsabilização dos agentes/atores contaminantes com OGMs e das normas de compensação de agentes/atores contaminados.
As áreas prioritárias para conservação da biodiversidade bem como suas áreas de amortecimento devem ser decretadas como territórios livres de transgênicos e agrotóxicos. Os territórios em que existe presença relevante de sementes crioulas devem ser mapeados e protegidos contra a contaminação transgênicas. O Estado deve apoiar a constituição e consolidação de redes sociais atuantes na conservação da agrobiodiversidade de âmbito territorial.
Com relação à construção do conhecimento
Afirmamos a necessidade da implementação e da ampliação do eixo de Conhecimento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
Reivindicamos que os princípios e diretrizes sistematizados no I Seminário Nacional de Educação em Agroecologia , sejam adotados como referencial orientador das experiências de educação em agroecologia, e das ações de Educação realizadas pelos vários níveis de governo.
Reivindicamos que as instituições de pesquisa e extensão internalizem os princípios da Agroecologia, organizando grupos de pesquisa e extensão, contratando e formando professores e pesquisadores para atuação profissional a partir da perspectiva agroecológica e alocando os recursos necessários ao cumprimento de projetos que articulem o conhecimento cientifico-acadêmico ao conhecimento popular-cultural das agriculturas familiares camponesas. Reivindicamos também a ampliação dos editais de inovação tecnológica, educação, pesquisa e extensão junto à agricultura familiar, visando o fortalecimento de processos e estratégias produtivas referenciados na Agroecologia.
Em relação às mulheres
Reafirmamos a importância de espaços estratégicos de formação, articulação e produção do conhecimento e das práticas agroecológicas realizadas pelas mulheres, integrando a abordagem de gênero e feminismo.
Reafirmamos a importância do reconhecimento das mulheres como geradoras de conhecimento, processos e atividades de base agroecológica. Reivindicamos espaços e instrumentos que assegurem recursos e políticas, bem como pesquisas que estimulem, viabilizem e confiram visibilidade à ação protagonista das mulheres no processo de desenvolvimento sustentável.
Em relação a políticas públicas estruturantes
Reivindicamos que o Programa de Aquisição de Alimentos seja ampliado e consolidado e que a Reforma Agrária seja retomada a partir da perspectiva agroecológica.
Porto Alegre, 28 de novembro de 2013